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domingo, 16 de março de 2008

Matéria Exclusiva - A Biblioteca de Alexandria

A Biblioteca de Alexandria, o coração da humanidade


Durante uns sete séculos, entre os anos de 280 a.C. a 416, a biblioteca de Alexandria reuniu o maior acervo de cultura e ciência que existiu na antigüidade. Ela não contentou-se em ser apenas um enorme depósito de rolos de papiro e de livros, mas por igual tornou-se uma fonte de instigação a que os homens de ciência e de letras desbravassem o mundo do conhecimento e das emoções, deixando assim um notável legado para o desenvolvimento geral da humanidade.

Fundando uma biblioteca




Fascinada por leituras, a jovem princesa Cleópatra visitava quase que diariamente a grande biblioteca da cidade de Alexandria. Mesmo quando César ocupou a maior parte da cidade, no ano de 48 a.C., ela, sua amante e protegida, o fazia acompanhá-la na busca de novas narrativas. O conquistador romano, também um homem de letras, um historiador, ficara impressionado com a desenvoltura cultural dela. Acoplada ao Museu, mandando construir pelo seu ilustre antepassado e fundador da dinastia, o rei do Egito Ptolomeu I Sóter (o Salvador), que reinou de 305 a 283 a.C. , a biblioteca tornara-se, até aquela época, o maior referencial cientifico e cultural do Mundo Antigo (*). Tudo indica que o erguimento daquele magnífico edifício no bairro do Bruquéion, nas proximidades do palácio real, deveu-se a insistência de Demétrio de Falério, um talentoso filósofo exilado que encheu os ouvidos de Ptolomeu para que ele tornasse Alexandria uma rival cultural de Atenas.

Mudar o Egito


Sarcófago real em Mênfis
Quem realmente levou a tarefa adiante foi o sucessor dele, Ptolomeu Filadelfo (o amado da irmã) que, além de ter erguido o famoso farol na ilha de Faro e aberto um canal que ligava o rio Nilo ao Delta, , logo percebeu as implicações políticas de fazer do Museu e da Biblioteca um poderoso enclave da cultura grega naquela parte do mundo. A nova dinastia de origem grega, chamada dos Lágidas (*), que passara a governar o país dos faraós, ao tempo em que se afirmava no poder, desejou também transformá-lo. Desencravando o trono real da cidade de Mênfis, situada nas margens do rio Nilo, no interior, transferindo-o para Alexandria, nas beiras do mar Mediterrâneo, a nova capital tinha a função de arrancar o milenaríssimo reino do sarcófago em que o enterraram por séculos, abrindo-lhe a cripta para que novos ares adentrassem.

Fazer com que o povo, ou pelo menos sua elite, se livrasse de ser tiranizados por sacerdotes e mágicos de ocasião que infestavam o pais. Gente que só pensava em viver num outro mundo, o do Além, e como seriam sepultados. Era o momento deles darem um basta ao Vale dos Mortos e celebrar os hinos à vida, exaltada pela cultura helenística. Mesmo os horrores de uma tragédia de Ésquilo ou Sófocles tinham mais emoção e paixão do que o soturno Livro dos Mortos. Era a hora das múmias e dos embalsamadores cederem o seu lugar aos sátiros e aos cientistas, de pararem de adorar o Boi Apis e se convertessem ao culto dos deuses antropomórficos. Filadelfo, porém, que era um entusiasta da ciência, num ato sincrético, fundindo costumes gregos com egípcios, resolveu reintroduzir o antigo cerimonial existente entre as dinastias do país do faraó esposar a própria irmã, tornando a princesa Arsinoe II a sua mulher. Dizem que um outro Ptolomeu, dito Evergetes (o Benfeitor), morto em 221 a.C., ficou tão obsecado em aumentar o acervo da biblioteca que teria ordenado a apreensão de qualquer livro trazido por um estrangeiro, o qual era imediatamente levado aos escribas que então tiravam uma cópia, devolvendo depois o original ao dono, premiado com 15 talentos.

Por essa altura, entre os séculos II e I a.C., Alexandria , que fora fundada por Alexandre o Grande em 332 a.C., assumira, com todos os méritos, ser a capital do mundo helenistico. Centro cosmopolita, por suas ruas, praças e mercados, circulavam gregos, judeus, assírios, sírios, persas, árabes, babilônios, romanos, cartagineses, gauleses, iberos, e de tantas outras nações. A efervescência dai resultante, é que fez com que ela se tornasse um espécie de Paris ou de Nova Iorque daquela época, cuja ênfase maior foi porém a ciência e a filosofia.

(*) Os Lágidas ou Ptolomeus, governaram o Egito a partir da partilha feita entre os Diadochoi, os diádocos, os generais de Alexandre o Grande, quando da morte deste em 323 a.C. Coube ao primeiro Ptolomeu, autodesignado Sóter (o Salvador), tornar-se rei do Egito no ano de 305 a.C., iniciando uma dinastia que teve 14 Ptolomeus e 7 Cleópatras. A última rainha do Egito foi Cleópatra VII, que suicidou-se em 30 a.C. , ocasião em que o país caiu sobre a dominação romana de Otávio Augusto.

O bibliotecário-chefe

Para qualquer intelectual grego ser convidado para o cargo de bibliotecário-chefe em Alexandria era atingir o Olimpo. Cercado por milhares de manuscritos, quase tudo o que a sabedoria antiga produzira sobre matemáticas, astronomia, mecânica e medicina, ele sentia-se como se fosse um Zeus todo-poderoso controlando as letras, os números e as artes. Conviver com rolos e mais rolos, bem organizados e classificados por assuntos, dos escritos de Platão, de Aristóteles, de Zenão, de Euclides, de Homero, de Demóstenes, de Isócrates, de Xenofonte, de Píndaro, de Tucidides, de Safo, e de tantos outros, era um deleite permanente (*).

Ao que se somava a Septuagint, os 70 manuscritos que continham a tradução do Pentateuco, o Velho Testamento hebraico para o grego, feito por 72 sábios judeus convidados por Ptolomeu Filadelfo para realizar o feito em Alexandria. As atribuições do bibliotecário-chefe transcendiam as funções habituais, pois eles eram também humanistas e filólogos encarregados de reorganizar as obras dos autores antigos (foi Zenôdo quem estruturou a Ilíada e a Odisséia em 24 cantos cada um, depurando-lhes os versos espúrios). Além disso, ele também era encarregado da tutoria dos príncipes reais, a quem devia orientar nas leituras e no gosto.

(*) Os rolos de papiro mediam 25 cm de altura por 11 metros de cumprimento, alcançando alguns até 30 metros. Eram escritos sem separação das palavras, com exceção de uma pausa (paragraphos), não havia vírgulas nem pontuação. As folhas, denominadas de cólemas, eram coladas umas as outras antes da sua utilização, e a página que abria o rolo chamava-se protocollon (dai a nossa palavra protocolo).

Principais bibliotecários
Bibliotecário-chefe Período
Demétrio de Faléreo 284 a.C.
Zenôdoto de Éfeso 284-260 a.C.
Calímaco de Cirene 260-240 a.C.
Apolônio de Rodes 240-235 a.C.
Erastóstenes de Cirene 235-195 a.C.
Apolônio Eidógrafo 180-160 a.C.
Aristarco de Samotrácia 160-145 a.C.

O acervo e os cientistas


Erasistratus, médico da escola de Alexandria cura o jovem Antíoco (tela de L.David, 1774)
Em seus primeiros três séculos, da fundação da biblioteca à chegada de César, disseram que as estantes, partindo dos 200 rolos iniciais do tempo de Filadelfo, chegaram a acomodar mais de 700 mil textos em volumes diversos, mas que, infelizmente, parte deles perdeu-se num incêndio acidental quando César por lá esteve (acredita-se que o que foi queimado era uma carga de papiros que estavam no porto esperando serem embarcados para Roma). Seja como for, parece ter sido a intenção de Marco Antônio, o outro líder romano que tornou-se amante e depois marido de Cleópatra, ressarcir as perdas sofridas com o incêndio de 48 a.C., doando para a biblioteca de Alexandria, no ano de 41 a.C., outros 200 mil pergaminhos e livros retirados por ele da biblioteca de Pérgamo, rival da de Alexandria.

Desastres esses que de modo algum impediram que ela continuasse sendo visitada por homens ilustres como Arquimedes, ou tivessem embaraçados os cientistas da cidade. As contribuições universais do complexo cultural instalado em Alexandria, uma verdadeira fábrica de sabedoria, foram impressionantes: enquanto Aristarco esboçou a primeira teoria heliocêntrica (a que inspirou Copérnico), coube a Cláudio Ptolomeu, um geocentrista, fundar a moderna astronomia científica. Ao tempo em que Erastóstenes, um outro bibliotecário- chefe, mediu com precisão a Terra, o grande Euclides, ainda no tempo de Ptolomeu Sóter, lançava o Stoicheia ( Elementos), seu imortal estudo de geometria. Até Hypatia, morta em 415, uma das primeiras cientistas que se tem registro, atuou por lá, até que fanáticos cristãos impediram-na de continuar com suas pesquisas.

O cerco intolerante sobre a biblioteca




Quem terminou por fazer carga cerrada contra a existência do Templo de Serapium e da soberba biblioteca anexa a ele, ainda que empobrecida no século 4, foi o bispo Téofilo, Patriarca de Alexandria, um cristão fundamentalista dos tempos de Teodósio o Grande, que viu naquele prédio um depósito das maldades do paganismo e do ateísmo, mobilizando a multidão cristão para a sua demolição, ocorrida provavelmente no ano de 391. Portanto, hoje encontra-se em total descrédito a narrativa que responsabilizara os muçulmanos, especialmente o califa Omar de Damasco, de ter mandado o general Amrou incendiar a grande biblioteca no ano de 642, depois que as tropas árabes ocuparam a cidade. Ao desaparecimento definitivo dela deve-se ainda associar ao fechamento das academias de filosofia, entre elas a de Platão, ocorrida em 526 (que funcionara durante novecentos anos), determinada pelo imperador Justiniano, encerrando-se assim (devido a maneira lamentável e intolerante de agir do cristianismo daqueles primeiros tempos), as grande contribuições que o mundo antigo deu para a humanidade.


A boa nova que nos chegou do Oriente Médio, região tão rara em produzir noticias felizes, é o da inauguração da Nova Biblioteca de Alexandria, acontecido em outubro de 2002, um colossal empreendimento que visa recuperar a imagem da cidade como um centro de sabedoria, posição que perdeu há bem mais de 1500 anos . Que os espíritos dos grandes do passado inspirem os que virão no futuro nesta grandiosa tarefa.

História por Voltaire Schilling
Informação retirada do site: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/antiga/2002/10/31/002.htm

Um comentário:

Calango Net News disse...

Bibliotecas são um "antro cultural". Lá existem informações das mais variadas. Seria muito bom se cada família da sociedade brasileira tivesse em suas casas acervos de livros. Talvez o índice de informação, cultura, educação, cidadania etc. seria mais elevado.

Essa Biblioteca de Alexandria, sem dúvida, se for explorada com mais rigor lá se encontrará coisas bastantes significativas, principalmente para estudo cientifíco. Uma verdadeira obra de arte é: valorizar/conhecer uma cultura de outro país/comunidade/nação através dos livros. Um desenvolvimento para o conhecimento do homem.